sábado, 6 de março de 2010

"Mês /Ano-fins de Março de 1980.

Unidade-BA 2/OTA (actual CFMTFA).

Contexto: 3º mês de tropa e inicio do 1º mês do curso de Cabos Especialistas MARME/PA.

Local do episódio- área periférica da Unidade, interior, junto ao Paiol Norte.
Missão- turno de vigilância da zona por duas horas, integrado no dispositivo de "reforço à Guarda da PA", exclusivamente desempenhado por Cabos Alunos.
Sujeitos- este vosso camarada e o que viria a ser TEN/PA Fuste, sete anos depois (mas, na altura, Cabo Aluno como eu) nomeados para o periodo da Guarda, nesse posto, da 01:00 às 03:00 (Fuste) e das 03:00 às 05:00 (eu).
Sede do posto- guarita metálica de observação, instalada, no meio do mato, a mais de cinco metros de altura, sem holofote funcional e numa zona que, acidentalmente, não dispunha de qualquer iluminação sem ser a luz do luar (que, naquela noite de breu,teimava em não surgir).

Descrição dos factos- fui render o Fuste, munido de um E/R Tokay e da G-3 com munições reais. O 1CAB/PA de Guarda disse-me, a meio do caminho (antes de voltar para o "vale de lençois" de onde, resmungão, se tinha levantado): "Bom maçarico do C********, agora que já sabes o caminho para o posto,onde está o teu camarada, é só seguir em frente. Não te esqueças de usar a senha e a contra-senha com ele e não faças m***** senão tens de te haver comigo. Eu tou cansado e vou voltar prà Casa da Guarda. Quando renderes o teu amigo ele que vá directamente para lá, ouviste? Agora, vai ! E tem cuidado com os ciganos que, se te apanham, te roubam a arma e, como já aconteceu há dias por aqui, te cortam o pescoço"...E, dito isto, sem cerimónias, lá foi à vida dele voltando para trás e deixando-me no meio de nenhures.

E lá fui eu, ao encontro do Fuste! Andei, andei, andei....e o raio do posto nunca mais surgia. Nem Fuste, nem sinal nenhum, nada. Era só mato, escuridão, vento e nenhuma referência, em redor. Quando me atrevi a usar o E/R (consciente que iria, com isso, desobedecer ao que o 1CAB/PA me tinha ordenado para não fazer, por motivos de segurança) constatei que este estava

descarregado. Sem hipóteses! Irra- pensei eu- e agora?

Ainda para mais, confesso-vos meus camaradas, que tendo levado como a sério a "praxe" do 1CAB/PA, os ciganos se me deitassem a luva, ali, levavam-me a arma e cortavam-me a garganta num ápice. Que morte inglória a minha, chiça....(ai, bendita inocência e desconhecimento da realidade)!

Mas lá fui. Por ali. Resistindo a chamar pelo Fuste e por outros (quem ?) em voz alta.

Nisto, a certa altura, gelei. O barulho que, vindo do lado de fora(?) da Unidade me parecia um murmurio de vento nas árvores, começou a transformar-se num corpo pesado que, aparentemente, restolhava não muito longe de mim.... Credo, o que fazer? Puxei, sem palavra, a corrediça à rectaguarda, introduzindo munição na camâra. Mudo de excitação ( sem, sequer, me lembrar de utilizar a senha e contra-senha) agachei-me e........esperei!

Nisto, de repente, um tiro soa! O barulho restolhado converte-se num fraco galope e afasta-se. Nisto, de repente, vinda da escuridão,ouço a voz do Fuste, a poucos metros de distância, no rádio a chamar pelo piquete da PA e a informar que tinha disparado contra alguém. Gerou-se o pânico. Deitei-me no chão e, em silêncio, dispus-me a vender "cara a vida", atirando (ai, santa incônsciencia...) no que me surgisse como suspeito. O Fuste, excitado, ainda aos berros com o outro lado do E/R, manejava a sua arma, no cimo da guarita, tentando desencravá-la depois do tiro dado. Quais lanternas, qual quê. Não havia. Qual holofote, qual quê. Não funcionava. E o raio dos PA de piquete que nunca mais chegavam, irra.

Passaram-se muitos minutos até o Land-Rover azul, a gasolina, irromper, do meio da noite, a grande velocidade. Nele, seguiam o Sargento da Guarda e outros seis PAs que, em alerta, começaram a vasculhar a zona em redor com grandes precauções.
Só aí, eu e o Fuste descansámos. Os anjos salvadores estavam já ali. Nada de mal nos aconteceria.

Moral da história: nessa noite, um dos bezerros pertencentes a um lavrador da zona e que, do lado de fora da periferia da Unidade, costumavam apascentar foi atingido, de raspão mas sem perigo, por uma munição 7,62 mm! O nimal regressou, espavorido, à manada que, entretanto, tinha abandonado para se aventurar naquela "incursão" !!!!! Quanto aos dois Cabos Alunos em questão......bem, o que vos posso contar é que lá tiveram de "levar" com mais uns "reforços à Guarda PA" em cima do pêlo, para aprenderem manter o sangue-frio. Claro que a malta da PA muito se riu com tudo isto. Ó se riu !!!!
Um grande abraço para todos

Manuel Calçada
SCH/PA

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