sábado, 6 de março de 2010

Coisas do arco da velha...

As lições que nunca esquecemos.

Quando fui transferido para a BA7, disseram-me que ia para Aveiro.

Afinal o tal Aveiro ainda era bem longe, pensei eu, quando tive que percorrer a estrada a passar por aquelas Gafanhas todas até chegar à Barra, onde pessoal conforme ia saindo do autocarro lá iam todos apressados para apanharem a lancha, coisa que nem me tinha passado por esta cabecinha pensadora e então quando vi a lancha já à pinha e com pessoal da marinha a tomar conta das operações, fiquei ainda mais intrigado mas não dei parte de fraco, mas estava receoso.
Com a ondulação e o cheiro ao gasóleo eu já não ia bem bem e logo pensei, só me faltava esta, o gajo lixou-me com aquela história do Aveiro.

Apresentei-me ao Sargento de Dia que estava no Cais e a primeira coisa que ele me perguntou foi: donde é que tu és? Sou de Coimbra, oh pá, então somos vizinhos, eu sou das Torres do Mondego, qual é a tua profissão? Sou torneiro mecânico, boa, vens mesmo a calhar, mesmo a calhar porquê? Porque nós estamos a precisar de um torneiro para as oficina como pão para a boca, mas a minha especialidade não é torneiro, e então!... isso não interessa nada, vais para as oficinas e vais ver que não ficas a perder, eu vou falar com o Capitão, tu vais para as oficinas e ele vai ter que arranjar maneira de te dispensarem da escala de serviço, assim está bem, disse eu.

Fiquei por ali até abrirem as repartições e quando me apresentei ao Capitão ele disse logo, então tu é que és o torneiro? vais ser colocado nas oficinas, deixa o resto por minha conta e vai-te apresentar ao Sargento Fagundes que ele trata do resto e despachou-me, nem me deu hipótese de respingar.
Bonito serviço, qual PA qual carapuça.
Afinal aquilo não era mau de todo, era só pessoal civil, eu cumpria o horário deles e depois com o tempo, fui abrindo os olhos e quando não havia trabalho para o torno eu desenfiava-me e ia para o Bar jogar as cartas.

Certa dia, mandaram-me tornear um casquilho em bronze fosforoso para um avião.
Depois de ter acabado o serviço, um Capitão veio falar comigo para ver a obra.
Roda para a esquerda, roda para a direita e acabou por manifestar alguma preocupação, alegando que, para o efeito que era, deveria ficar um bocadinho mais leve e eu eu para não ter mais trabalho e armado em cão com pulgas, coisas da idade, lá disse, oh senhor Capitão, o senhor é que sabe, isso dá meia dúzia de voltas e fica bom, ele com uma grande calma lá foi dizendo, pois é, pois é, dá meia dúzia de voltas e fica bom e depois dá mais meia dúzia e fica com folga, o melhor é a gente fazer as coisas como deve ser, porque com os aviões não se pode facilitar.

Que grande lição, o homem sabia muito, nunca mais me esqueci deste episódio, lá fui pôr o casquilho levezinho à maneira dele, fui-lhe o entregar, ele apreciou e lá foi dizendo, assim está melhor, ficamos todos mais descansados.
E eu por ali andei mais uns tempos até o torneiro mecânico civil voltar ao serviço.

Loureiro/68

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