quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

"A pedra de afiar os dentes aos cães"


Estava eu à espera de ir frequentar, em Boane (Lourenço Marques), o Curso de Sargentos.
Nessa altura, chegaram aos canis da BA 10 (Beira), dois cães "civis", de raça pastor alemão, para serem "reeducados " e treinados à maneira dos nossos Cães de Guerra.Nessa época, era hàbito, as empresas da Cidade da Beira, enviarem os seus cães de guarda, para serem treinados pelas Forças Armadas.Estes dois animais, jà tinham passado pelos canis da PSP local e tinham sido mais "massacrados" do que educados, pois bastava dar uma ordem mais enérgica ou fazer um gesto brusco e, os pobres animais, encolhendo-se, urinavam-se logo ...

Sendo assim, foram entregues a 2 "aprendizes" de tratador, maçaricos de 65, para serem bem tratados, sob a vigilância dos "profissionais", Cabo Amaro (sub-chefe da Secção de Cães de Guerra) e do Soldado "15zinho".
Nas instalações dos canis, também tinha sido edificado, pelos homens de 62, uma palhota, local que servia para nos abrigar do calor ou das grandes chuvadas, e era a nossa "Sala de Reposo e Alerta", onde todas as tardes, nos educavamos e aumentavamos a nossa cultura geral, lendo livros de "cow-boys", jogando às cartas, dominò, e ouvindo mùsica.Numa dessas tardes, estava eu a aperfeiçoar as técnicas de combate, jogando à Batalha Naval, quando, "disse assim como quem não queira a coisa", ao sub-chefe:- Jà viste que os 2 cães civis, não mordem bem ?

Temos que lhe afiar os dentes !O Cabo Amaro, piscando o olho, disse: "Vou informar o Chefe Garcia", e eu, acrescentei, "ele que nos dê a pedra de afiar os dentes" e, voltando-me, para um dos "aprendizes" maçaricos, que dormitava, assentado ao meu lado, disse-lhe:- Ò pà, vai à Esquadrilha e pede ao Sarg. Garcia, a pedra de afiar os dentes aos cães.O nosso "aprendiz" de tratador, levantou-se e sem perguntar nada, là foi, ligeiro, para surpresa de todos nòs.
A partir daqui, e até ao regresso do "aprendiz", não vi mais nada e não ouvi o que se disse, mas as cenas foram contadas e descritas, pelo nosso colega, "actor" principal desta història.
O "Chefe" Garcia, estava ausente nesse momento e o nosso "aprendiz" contou o que pretendia ao Cabo da Secretaria, Jorge Gaspar, que vendo logo a "marosca", disse-lhe que o Chefe estando ausente e o Comandante da EPDP, Ten. Couto Pires, em reunião, não podia tomar essa responsabilidade e que o melhor era ir ver o Sargento de Dia ...


Obediente e querendo levar até ao fim a missão que lhe tinha sido entregue, o nosso colega foi à procura do Sargento de Dia, que andava "desenfiado" nas cozinhas, a beber um copito e a comer uma "bucha", com o seu conterrâneo cozinheiro, e disse-lhe o que queria.O homem perplexo e incrédulo, não percebendo nada, mas julgando ser uma coisa especìfica aos cães de guerra, disse que não sabia de nada, nem tinha "as chaves" (?) e que ia falar com o Oficial de Dia.


Azar dos azares, nosso !O Oficial de Dia era o Ten. "Chico Marinheiro", Francisco Duarte de seu nome e oriundo da Aéronaval, que vendo logo que era brincadeira, quiz saber quem era o autor de tal pedido, pois não nos tendo no coração, "esses meninos finos dos cães, que não fazem nada na Base, e que ainda por cima, são dispensados de ir cortar o capim, como todos os outros ...", veio aos canis, acompanhado do Sargento de Dia e do nosso "aprendiz" de tratador.


O Cabo Amaro, como responsàvel do sector, ainda quiz explicar que era uma praxe e, eu, para dar um ar de graça, disse que os cães andavam a morder mal ...Resultado final: - fomos salvos pela intervenção do Chefe Garcia, de uma "carecada", mas não escapàmos, os 7 elementos da Secção + os 2 maçaricos, a cortar o capim à volta do terreno dos canis, por termos feito perder tempo aos Sargento e Oficial de Dia.


Desiludido por esta falta de sensibilidade ao humor, que nem era negro, apesar de estarmos em Àfrica, passados uns tempos, bastante desanimado, desisti de ir frequentar o Curso de Sargentos, meti requerimento para passar à disponibilidade e regressei à Metropole e à vida civil, ao fim de 48 meses.


Carlos Oliveira (Bolinhas)
1° Cabo PA/TTCG
BA 10 - 1963/1967

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